Para quem chegou até este blog por acaso ou engano:
Aqui se escreve sobre a política e o modo de viver de uma cidade chamada Bagé, localizada no Sul do Rio Grande do Sul, um Estado da República do Brasil, no continente Americano do Sul. Aqui também se ironiza e se cultiva o bom humor, mas principalmente, lembra-se às autoridades que não se legisla ou governa de qualquer jeito, sem responsabilidade ou sem o olhar envolvente de quem está atento às coisas do mundo.

domingo, 13 de março de 2011


Chapeuzinho
Vermelho com Estrela 2

Continuando a história da Chapéu Vermelho com Estrela... 
Antes vale explicar que quem não leu a primeira parte pode ir descendo a página que encontra, com o mesmo título e a mesma marca do Pinóquio. 

Chapéu estava muito longe de seu destino. Nem descera a Presidente Vargas ainda. E depois, quatro quilômetros de Santa Tecla... 
Então... quando foi subir de novo na bicicleta pra seguir seu caminho...
Apareceu o lobo... Ou melhor. Apareceu o... Leobones com seus quase três metros de altura, uma arma enorme de destruir patrimônios e uma visão ampla e progressista de futuro. Seus olhos eram capazes de ver muito longe. Muito longe, tanto que contou  que viu o desenvolvimento da cidade chegando rápido, viu os colunistas sociais anunciando shoppings centers enormes com seus McDonalds e Habbib's ultramegaequipados. Chapéu chegou até a ficar curiosa para conhecer. 
Mas, isso passou em seguida, enquanto Leobones não parava de falar, falar e falar, tentando convencê-la que estava por vir um mundo de maravilhas, onde já vivia Alice, a amiga de Chapéu.
Leobones já estava contribuindo para a sua visão de futuro, construindo cinco prédios de 20, 30 e 40 andares. Tudo para compensar as casas das décadas de 20, 30 e 40 que comprou pra derrubar. 
Ah, mas não se enganem!, Leobones esteve na Europa e comprou vários cartões postais com fotos maravilhosas de casarões, palacetes e palácios de 200, 3oo e 400 anos passados... e mais. Prédios que são conservados na Itália, na Alemanha, Espanha, Inglaterra... esses países desenvolvidos do velho mundo. Leobonês vai colocar as fotografias dos prédios da Europa no saguão de entrada de cada edifício que está construindo em Bagé. 
- Vai ficar tão bonito, tu não achas, menina? 
Chapéu desdenhou. Tentou explicar que dava para conciliar progresso com história... mas aí, ele ia entender mal, podia brigar com ela e mandar expulsar a tia Liamara do Rotary ou do Lions, um dos dois. Leobonês é desses clubes de serviços todos, contribui para a Liga Feminina, é benemérito da Santa Casa, ajuda as crianças da APAE e do Caminho da Luz, vai às missas todas as semanas e ainda é dizimista. Ora, como é que a Chapéu pode dizer para um homem desses que ele está errado?  
Deus a livre, pobrezinha. 
- Vai, Chapéu. Vai andar na tua bicicleta sossegada. 
Se bem que é andando de bicicleta que Chapéu dá de cara com essas barbaridades todas que acontecem na cidade. De bicicleta ela vê, pensa, reflete e tem vontade de falar. Chapéu tem o que algumas pessoas chamam de senso crítico. A mãe e o pai não sabe de onde ela tira essas ideias. A isso, as amigas atribui o tal de senso crítico, que tanto algumas pessoas dizem que ela tem. 
Bom, mas enquanto a menina refletia sobre tudo isso, seu Leobonês falava, falava e falava sobre o desenvolvimento de Bagé, o emprego para todos e a felicidade imensa dos shoppings.
- Seu Leobonês... - Experimentou perguntar Chapéu...
- Sim, menina, o que queres saber?
- Shopping center não foi inventado para proteger os empresários dos assaltos?
- Não. O shopping foi inventado para colocar num lugar só, fechado e confortável, o maior número de ofertas comerciais e de serviço para a comodidade das pessoas. 
- É?
- Sim. Pode ter lojas, livrarias, cinema, teatro, restaurante, playcenter... tudo. 
- É?
- Sim. O shopping é uma maravilha. E existe há muito tempo, desde o Século XVIII. 
- Nossa! Se tivesse um prédio de shopping center aqui na nossa cidade com este monte de ano aí já tinha sido destruído e não ficaria uma pedra pra contar história.
- Não gostei da ironia, menina.
- Desculpa, seu Leobonês. De verdade. Eu sei que o senhor é um homem bene... bene...mérito (Isso!!!), que não gosta de discutir e brigar porque isso não pega bem pra quem é do rotary, do lions e faz doações pra Liga e é delicado com todo mundo... E vai ver que até já tem um lugar reservado no céu com o bispo... 
- Não, ainda não. Estamos em tratativas. Mas, menina, eu já vou indo. Fiz minha boa ação do dia que é convencer uma crianças a entender o desenvolvimento da cidade como uma coisa boa. Certo?
- ...
- Certo? Tu entendeu? 
- ...
- Entendeu?
- Posso ser sincera ou o senhor é daqueles que fica ofendido quando a gente fala a verdade e prefere ouvir uma mentira educada? 
- Ora, menina! Tu és muito atrevida.
- Tudo bem. Já entendi. Eu digo uma mentira educada. "Nossa, seu Leobonês, como o senhor é um homem bom. Tomara que outros sigam o seu exemplo. Imagine se todas as famílias da cidade que tem um pouquinho a mais em sua economia fizesse o que o senhor faz? Quanta gente seria um pouquinho mais feliz? 
- Muito bem. Até logo, menina. 
- Até logo...
Chapéu Vermelho com Estrela suspirou, voltou a subir na bicicleta e se preparou para descer a Avenida Presidente Vargas em direção ao Bairro Ivo Ferronato, onde mora sua avó. 
Antes de continuar seu caminho, pensou mais uma vez no seu Leobonês... 
De repente, uma lágrima verteu no olhinho esquerdo de Chapéu... Ela teve a convicção que seu Leobonês não iria para o céu... Não iria. E chorou.
(CONTINUA)